8.10.09

A era do pânico

Para além dessa coisa mais ou menos viscosa, fluída e onde cabe tudo, a que se convencionou chamar - vá-se lá saber porquê! - New Age, o que caracteriza realmente a nossa época?

Desde há vários meses, quase não se tem ouvido falar de outra coisa (salvo algumas anedotas protagonizadas pelos mais ilustres representantes da nação, da direita à esquerda): VEM AÍ A GRIPE A!

Talvez seja a falta de assunto mais relevante (pois o futebol já não desfralda bandeiras como outrora) que eleve a uma tal dignidade algo que não passa, no dizer de algumas conceituadas vozes, de uma "gripe banal".

Em Portugal, onde a verdadeira tragédia não resulta de não se lavar suficientemente as mãos - visto que passamos a vida a lavar as mãos disto e daquilo - mas de como nos (mal) conduzimos na estrada e na vida, há coisas sobre as quais o excesso de informação lança um pesado manto de silêncio.

É verdade que não se trata de um mal exclusivamente nosso. Na era da informação global, o espaço e o tempo estreitaram-se de tal modo que ficaram reduzidos à espessura de um instante: ao mesmo tempo e em toda a parte, como um deus ao contrário, o mundo inteiro ameaça cair sobre nós, esmagando-nos.

Porém, o excesso de informação não gera mais conhecimento (mesmo que se fale muito da sociedade da informação e do conhecimento, como se fossem termos equivalentes), mas gera mais pânico.

Na verdade, cada vez que ligamos a rádio ou a televisão, por exemplo, somos bombardeados pelos mais diversos cataclismos que sucedem um pouco por toda a parte no mundo. A era da informação "concentrou", por assim dizer, na dimensão do ponto e na espessura do instante o que estava outrora disperso pelos mais variados lugares do espaço e momentos do tempo. Agora, o mundo inteiro, o universo inteiro, com suas permanentes colisões ou cataclismos, cai todo sobre nós de uma só vez.

Por outro lado - e contrariamente ao que pensam ou afirmam alguns - talvez deste excesso quotidiano de informação em torno da gripe A (é um exemplo) não saiam comportamentos mais "cuidadosos", mas antes uma nova e resistente indiferença. Com efeito, falar demasiado numa coisa, segundo um modelo de fala cada vez mais "vazio", como um disco que gira e repete sempre a mesma música, não "inscreve" necessariamente um acontecimento, mas pode até, pelo contrário, gerar mais e mais indiferença.

O que vale, apesar de tudo, é que não faltarão novos fármacos e terapias diversas para combater o pânico. Haverá também um fármaco ou uma vacina contra a indiferença?

4.10.09

Nos confins da modernidade

Foi graças ao fotógrafo contemporâneo Hans Sylvester - um alemão vivendo no sul de França e que fez a opção pelo "livro" em detrimento das galerias de arte - que estas imagens nos chegaram dos confins da civilização: uma "primitiva" tribo africana que habita as margens do Omo, um rio que atravessa a Etiópia, o Sudão e o Quénia e que faz uma arte nada "primitiva".

Contrariamente à ciência e à tecnologia, que evoluem de forma clara e irreversível, fazendo naufragar as velhas teorias, procedimentos e visões do mundo, na arte não há "evolução"; pelo menos, no mesmo sentido.

É por isso que muitos artistas contemporâneos se sentiram - e continuam a sentir - atraídos por esta arte, pelo saber fazer das tribos ditas "primitivas". É que, efectivamente, mesmo sem entrarem no rio da modernidade, elas já se banham em águas da mais pura vanguarda.